No Brasil, estimativa
da Confederação Nacional dos Municípios estima que o problema já afeta 80% das
cidades; em Minas, falta remédio até para câncer
A falta de medicamentos vivenciada em todo o Brasil expõe
pacientes que dependem dos fármacos à morte. A avaliação é do vice-presidente
da Federação Médica Brasileira, Fernando Mendonça. Nesta sexta-feira, a
Confederação Nacional dos Municípios (CNM) emitiu nota informando que 80%
das cidades brasileiras enfrentam o problema.
Em Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Saúde (SES/MG)
informou que 51 remédios estão com estoques zerados. Na lista, há drogas
indicadas para tratamentos de doenças como câncer, esquizofrenia, parkinson e
malária. “Têm medicamentos utilizados na quimioterapia que não têm outras
opções e isso se torna um risco potencial de morte dos pacientes que não têm os
medicamentos determinados”, alerta Mendonça, também diretor do Sindicato dos
Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG).
Na lista da SES, há dois medicamentos utilizados nas
terapias contra o câncer: o Ciclofosfamida e o Leuprorrelina - este último
indicado apenas para quem foi diagnosticado com a doença na próstata. O
profissional da saúde lembrou que em algumas doenças, como a pneumonia, a
demora em oferecer um coquetel de remédios também é um problema. “Pode ter um
agravo por falta de medicamento”, assinala.
Apesar de ter ganhado os debates nesta sexta, o problema não
é recente e já ocorre há meses. Em abril, O TEMPO já havia noticiado
a escassez de antibióticos e anti-inflamatórios utilizados,
principalmente, para tratar enfermidades respiratórias. “Por mais que a gente
entenda que existam fatores externos como guerra na Ucrânia, questões na China,
alta do dólar, que às vezes fogem à governabilidade, a população está sendo
muito prejudicada com a falta de planejamento e previsibilidade para obter
medicamentos importantes”, atesta o médico.
Mendonça, que se especializou na pediatria, relatou que tem
recebido retorno de pacientes que tiveram a indicação de antibióticos para
tratar inflamações, solicitando que a receita seja alterada por não encontrar
os fármacos. “É um problema que afeta o sistema de saúde no geral, não é algo
exclusivo do SUS, mas também da saúde suplementar. Estamos vivendo o perigo de
não poder oferecer ao paciente aquilo que a medicina entende de melhor ao
paciente e isso foge da possibilidade de resolução dos médicos”, lamenta.
Problema sem
solução
Apesar da urgência em se resolver o problema, Fernando
Mendonça não crê em uma melhora no cenário a curto e médio prazo. Ele criticou
a postura do governo federal frente o assunto e afirmou que o problema tem o
mesmo nível de gravidade da situação econômica e de vulnerabilidade social que
culminou com a Pec Kamikase. “São R$ 40 bilhões que vai ajudar os
caminhoneiros, mas tem coisa ainda mais grave para gastar esse dinheiro”,
criticou o vice-presidente da Federação Médica Brasileira.
Mendonça ainda pediu que sejam implementadas políticas
públicas que garantam à sociedade o acesso às medicações, independente da rede
de saúde em que as pessoas são atendidas. “É viabilizar, do ponto de vista
financeiro, a solução para a falta do insumo. Ir comprar onde tem disponível”,
opina.
O que dizem os
órgãos?
Em nota, a SES-MG informou que "as estratégias para
tentar mitigar os efeitos dos desabastecimentos têm sido discutidas em âmbito
nacional, entre Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) e Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass)".
A Prefeitura de BH esclareceu que "os usuários são
orientados a procurar as equipes de Saúde da Família para que sejam reavaliadas
a prescrição e a possibilidade de indicação de outro medicamento. É importante
esclarecer que o contato com os fornecedores é constante para manter o
abastecimento dos estoques sempre em dia".
O Ministério da Saúde foi questionado, mas não respondeu ao
e-mail enviado pela reportagem.
Por que há falta de
medicamentos?
A falta de medicamentos, conforme fontes consultadas pela
reportagem, se deve ao lockdown na China. O país asiático abastece o Brasil de
matéria-prima para produção de medicamentos e tem adotado medidas duras contra
a Covid-19.
Com as indústrias chinesas fechadas, países como o Brasil,
que dependem da oferta chinesa, passam aperto. Há quem diga também que o País
só está nessa situação porque não investiu em tecnologia, já que tem capacidade
de produzir esses medicamentos por aqui.
“É uma falta de medicamentos sazonal, que vem desde o início
do ano. Hora é uma matéria-prima que falta, e outra hora é outra matéria-prima.
Já tivemos falta de dipirona e solução de vários xaropes. A maioria dos
medicamentos é para uso infantil. Agora, estamos passando pela falta de alguns
produtos antibióticos. As amoxicilinas líquidas, para uso do público infantil e
juvenil”, diz Rony Anderson, vice-presidente do Sindicato do Comércio Varejista
de Produtos Farmacêuticos de Minas Gerais (Sincofarma).
De acordo com Rony, a indústria tem informado que o
fechamento da China atrasa os pedidos. “A matéria-prima vem toda do continente
asiático. Quando esse medicamento chega, ele ainda tem que passar por uma
quarentena. Por mais que possa vir de avião, esse produto ainda tem que
aguardar um tempo. A gente tem passado o ano inteiro com faltas recorrentes”,
afirma o vice-presidente do Sincofarma.
Por Simon
Nascimento e Gabriel Ronan
Fonte: O TEMPO EDITORA